Ciência e Estudos
Nos últimos anos, descobertas sobre o microbioma intestinal mudaram a forma como entendemos as doenças cardiovasculares (DCVs). Já não basta pensar apenas em colesterol e gordura saturada, agora sabemos que os microrganismos que habitam nosso intestino também participam ativamente na saúde (ou no adoecimento) do coração.
Entre os compostos que mediam essa relação, o óxido de trimetilamina (TMAO) desponta como protagonista. Produzido quando a microbiota intestinal metaboliza colina, L-carnitina e betaina, nutrientes abundantes em carnes vermelhas, ovos e laticínios, o TMAO vem sendo apontado como um importante marcador e potencial causador de aterosclerose, hipertensão e insuficiência cardíaca.
Como o TMAO é produzido
• O processo começa no intestino: Nutrientes como colina, betaina e L-carnitina, abundantes em carnes vermelhas, ovos e laticínios, são metabolizados por bactérias intestinais que produzem trimetilamina (TMA).
• Esse gás é então transportado ao fígado, onde a enzima FMO3 (flavina monooxigenase 3) o oxida, transformando-o em TMAO, que circula pelo sangue e é parcialmente eliminado pelos rins.
• O excesso de TMAO interfere no metabolismo do colesterol, favorece inflamação e a formação de placas ateroscleróticas.
→ Estudos mostram que níveis elevados de TMAO no plasma se associam fortemente ao risco e mortalidade cardiovascular, mesmo após controle de fatores clássicos como idade, tabagismo e colesterol.
Evidências experimentais e clínicas
Um dos marcos dessa linha de pesquisa foi o estudo "O metabolismo da L-carnitina, um nutriente presente na carne vermelha, pela microbiota intestinal promove a aterosclerose" publicado em 2013 pela revista Nature Medicine, que demonstrou que:
🔸Onívoros produzem muito mais TMAO após ingerirem L-carnitina (da carne vermelha) do que veganos e vegetarianos.
🔸Quando o mesmo grupo de voluntários recebeu antibióticos para suprimir a microbiota, a produção de TMAO caiu a quase zero, e voltou a subir após a recolonização intestinal.
🔸Em camundongos, dietas ricas em carnitina aumentaram a formação de placas de gordura nas artérias, mas esse efeito desapareceu sem microbiota intestinal ativa.
→ Esses achados consolidaram a ideia de que o risco cardiovascular ligado à carne vermelha não está apenas nas gorduras, mas também na interação entre seus nutrientes e a microbiota intestinal.
TMAO: o vilão silencioso do coração
O TMAO também foi identificado como marcador precoce de eventos cardíacos graves, podendo prever risco de infarto com mais precisão que o colesterol isolado.
Dieta e microbiota: o antídoto está nas plantas
Por outro lado, dietas baseadas em vegetais parecem agir como uma contramedida natural ao ciclo do TMAO. Uma revisão científica destaca que pessoas que seguem padrões alimentares plant-based apresentam:
✔ Menor abundância de bactérias produtoras de TMA, e maior presença de espécies benéficas como Prevotella e Faecalibacterium prausnitzii.
✔ Maior produção de ácidos graxos de cadeia curta, como butirato e propionato, que fortalecem a barreira intestinal e reduzem inflamação sistêmica.
✔ Menores níveis plasmáticos de TMAO, o que se traduz em menor risco de aterosclerose e mortalidade cardiovascular.
→ Além disso, estudos clínicos mostram que o veganismo e o vegetarianismo de longo prazo reduzem em até 29% o risco de doença coronariana em comparação com dietas onívoras, efeito em parte mediado pela redução de TMAO.
Como modular o TMAO pela alimentação
✅ Aumente o consumo de:
• Fibras vegetais (aveia, feijão, frutas e hortaliças);
• Alimentos fermentados (kefir vegetal, chucrute, kombucha);
• Fontes de polifenóis (chá verde, uvas, cacau puro, azeite);
• Água e atividade física regular (ambos reduzem a disbiose intestinal).
🚫 Reduza o consumo de:
• Carnes vermelhas e processadas;
• Ovos;
• Laticínios integrais e suplementos com L-carnitina.
A ciência do TMAO representa uma virada de chave na nutrição cardiovascular. Ela revela que o que comemos não age apenas pelo conteúdo calórico ou de gordura, mas também pela forma como alimenta (ou desequilibra) nossa microbiota intestinal.
Enquanto produtos animais ricos em colina e carnitina aumentam a produção desse metabólito tóxico, as dietas plant-based, ricas em fibras, polifenóis e compostos anti-inflamatórios, modulam o intestino de modo protetor, reduzindo TMAO e a inflamação cardiovascular.
Em resumo: o coração é tão saudável quanto o seu intestino. E o intestino é tão equilibrado quanto o que você coloca no prato.
Referências:
Zhen J. et al. The gut microbial metabolite trimethylamine N-oxide and cardiovascular diseases. Frontiers in Endocrinology (2023).
https://doi.org/10.3389/fendo.2023.1085041
Koeth R.A. et al. Intestinal microbiota metabolism of L-carnitine, a nutrient in red meat, promotes atherosclerosis. Nature Medicine (2013).
https://doi.org/10.1038/nm.3145
Kumar A., Chidambaram V., Mehta J.L. Vegetarianism, microbiota, and cardiovascular health: looking back, and forward. European Journal of Preventive Cardiology (2022).
https://doi.org/10.1093/eurjpc/zwac128
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