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Nutrição

A Nova Era da Desinformação Nutricional: Como Influenciadores Digitais Remodelam o que Comemos

Como perfis influentes transformam desconfiança, emoção e marketing em narrativas que distorcem ciência e moldam decisões alimentares em escala global

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A relação entre alimentação, saúde pública e redes sociais alcançou um ponto crítico. A ascensão de influenciadores que divulgam informações imprecisas sobre nutrição transformou o ambiente digital em um espaço onde carisma supera evidência científica e onde decisões alimentares são guiadas por narrativas emocionais.

O relatório Nutrition Misinformation in the Digital Age identifica como esse fenômeno tem se intensificado, descrevendo quem são os responsáveis pela propagação de falsas recomendações, quais estratégias utilizam e por que esse conteúdo causa tanta influência. Ao analisar mais de um milhão de publicações no Instagram, a pesquisa revela um retrato detalhado do ecossistema contemporâneo da desinformação alimentar.

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O peso da desinformação na saúde pública

A má nutrição tornou-se o principal fator prevenível associado ao crescimento das doenças crônicas não transmissíveis. Apesar disso, grande parte da população ainda não segue diretrizes básicas de alimentação saudável. Em paralelo, cresce a exposição a conteúdos virais que defendem práticas alimentares extremas, promovem medo de alimentos amplamente estudados e rejeitam o consenso científico.

Essas tendências não aparecem de forma isolada. Influenciadores frequentemente apresentam suas dietas como identidades completas, combinando estética, espiritualidade, crenças políticas e supostas “verdades ocultas” sobre saúde. O resultado é uma teia complexa de mensagens atraentes, capazes de ofuscar orientações confiáveis.

Quem são os "superdifusores" de desinformação

A análise do relatório identifica cinquenta e três perfis responsáveis por grande parte do conteúdo enganoso. Embora atuem de formas distintas, todos compartilham uma mesma característica: enorme capacidade de engajamento e influência.

✴️ The Doc → O Doutor

Refere-se ao influenciador que usa um título profissional, real ou apenas semelhante, para transmitir autoridade e credibilidade, mesmo quando não possui formação adequada em nutrição. Muitos apresentam narrativas alarmistas que reforçam desconfiança em instituições científicas.

✴️ The Rebel → O Rebelde

Personas que rejeitam a ciência convencional e defendem visões conspiratórias sobre indústria alimentícia, políticas públicas e recomendações nutricionais.

✴️ The Hustler → O Vendedor

Criadores de conteúdo com estética aspiracional, focados em transformar bem-estar em produto. Utilizam histórias de superação, receitas “milagrosas” e promessas de transformação, sempre acompanhadas de links de venda.

→ O estudo ainda revela que apenas uma minoria desses influenciadores possui formação adequada. Mesmo assim, quase todos lucram diretamente. As estratégias incluem venda de suplementos, cursos, consultas, eventos e parcerias com marcas.

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As mensagens que mais se espalham

Entre os temas mais frequentes, três se destacam:

① Dietas carnívoras e centradas em carne: Responsáveis por quase um terço dos conteúdos analisados. Muitas publicações retratam vegetais como perigosos e carne como alimento curativo, em oposição direta a consensos globais de saúde.

② Conteúdos gerais de saúde com afirmações imprecisas: Incluem promessas simples para problemas complexos, narrativas que minimizam riscos e frases de impacto que soam científicas sem realmente serem.

③ Dietas cetogênicas e variações de baixo carboidrato: Embora tenham aplicações clínicas específicas, são promovidas como soluções universais, muitas vezes com omissões importantes sobre riscos metabólicos de longo prazo.

→ Outro ponto revelador é que mais de noventa por cento desses perfis propagam múltiplos tipos de desinformação simultaneamente, conectando discurso alimentar com política, masculinidade, espiritualidade e práticas “ancestrais”.

As três estratégias emocionais mais comuns

O relatório identifica três formas principais de persuasão utilizadas pelos "superdifusores":

🔴 Medo

Mensagens que reforçam insegurança e urgência. Alimentos comuns são descritos como tóxicos ou perigosos, especialmente óleos vegetais, grãos e produtos industrializados.

Fontes relacionadas: 

https://researchbriefings.files.parliament.uk/documents/SN03336/SN03336.pdf

https://bmjopen.bmj.com/content/10/8/e037554.abstract

🔴 Euforia

Publicações que prometem vitalidade, clareza mental e aparência radiante como consequência de dietas restritivas.

Fontes relacionadas:

https://www.health.harvard.edu/staying-healthy/should-you-try-the-keto-diet

https://www.frontiersin.org/journals/nutrition/articles/10.3389/fnut.2021.702802/full

🔴 Sutileza

A técnica de “polvilhar” informações enganosas em meio a rotinas de treino, receitas caseiras, vlogs e histórias pessoais. Isso torna a desinformação mais palatável e menos perceptível.

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Quando emoção supera evidência

Embora cada grupo utilize estratégias distintas, todos se apoiam no mesmo mecanismo: conectar-se emocionalmente com quem assiste.

O estudo mostra que a capacidade de gerar sensação de pertencimento, inspiração ou alerta faz com que seguidores confiem mais em influenciadores do que em profissionais qualificados. Esse fenômeno ocorre mesmo quando informações essenciais são omitidas ou distorcidas.

As diretrizes nutricionais globais, por outro lado, são fundamentadas em longos anos de pesquisas independentes. Organizações como World Health Organization e EAT-Lancet Commission sustentam, de forma consistente, que padrões alimentares ricos em vegetais e com consumo reduzido de carne vermelha favorecem longevidade e reduzem risco de doenças.

Acesse: https://www.who.int/health-topics/healthy-diet

Acesse: https://eatforum.org/eat-lancet-commission/the-planetary-health-diet-and-you/

Chamado à ação: como reverter esse cenário

A pesquisa propõe caminhos concretos. Os mais relevantes incluem:

✅ Educação nutricional desde cedo: Criar espaços para ensino de culinária prática e análise crítica de informações digitais.

✅ Apoio a profissionais qualificados nas redes sociais: Pesquisas indicam que o público engaja mais com mensagens que unem clareza, emoção e proximidade. Profissionais treinados podem ocupar esse espaço com mais impacto.

✅ Melhoria da alfabetização digital: Ensinar como identificar intenção comercial oculta, discursos de autoridade fabricada e técnicas persuasivas comuns.

✅ Acompanhamento rigoroso de alegações de saúde: A regulamentação precisa acompanhar a realidade das redes, especialmente quando títulos profissionais são utilizados como ferramenta de marketing.

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Por que isso importa

O cenário revelado pelo estudo é claro: a desinformação nutricional não é apenas um ruído inofensivo. Ela molda comportamentos, provoca escolhas alimentares prejudiciais e compromete iniciativas de saúde pública.

Quando uma publicação viral alcança milhões de pessoas, ela pode influenciar mais do que uma diretriz feita por especialistas. Por isso, compreender esse ecossistema é essencial para construir conversas mais saudáveis e confiáveis sobre alimentação.

A análise apresentada pelo relatório Nutrition Misinformation in the Digital Age deixa claro que a desinformação nutricional se tornou um dos desafios mais urgentes da saúde contemporânea. O alcance dos "superdifusores" é imenso e sua influência ultrapassa fronteiras, pautando conversas, moldando percepções e impactando escolhas alimentares cotidianas.

O problema não nasce apenas da falta de conhecimento, mas da habilidade desses influenciadores de conectar emoção, identidade e promessas de transformação com mensagens que contradizem décadas de evidência científica. A combinação entre linguagem carismática, narrativas polarizadas e incentivos financeiros cria um ciclo onde informações incorretas se espalham com velocidade e apelo superiores às comunicações tradicionais de saúde pública.

Imagem Construir-um-ambiente-digital-mais-confiável-depende-de-senso-crítico-comunicação-responsável-e-acesso-a-ciência-de-qualidade

→ Reverter esse quadro exige ação conjunta: fortalecer a presença de profissionais qualificados nas redes sociais, ampliar alfabetização digital, promover senso crítico desde a infância e aprimorar políticas que coíbam o uso indevido de títulos profissionais. Mais do que combater mitos, trata-se de reconstruir confiança e oferecer à população ferramentas para reconhecer discursos enganosos e fazer escolhas que realmente promovam saúde.


Fonte:

Millbank, A., Millbank, L., Malerich, M., Trautmann, L., & Thorton, G. (2025), Nutrition misinformation in the digital age (2024–2025). Rooted Research Collective.
https://rootedresearch.co/publications/nutrition-misinformation-digital-age/

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