O Banquete do Amanhã: Quando o Veganismo Brilhou no Earthshot Prize 2025 no Rio
Sob o comando da chef Tati Lund, o menu 100% vegetal da cerimônia que celebrou o planeta e dividiu opiniões
Na noite de 5 de novembro de 2025, o Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, vestiu-se de verde. Luzes pulsavam refletindo nas águas da Baía de Guanabara enquanto líderes globais, ativistas e artistas chegavam para celebrar o The Earthshot Prize, idealizada pelo príncipe William. Mas não foram apenas os vencedores das cinco categorias de sustentabilidade que roubaram a cena: o que se serviu à mesa virou notícia mundial.
Pela primeira vez, um evento desse porte apresentou um menu 100% vegetal, assinado pela chef carioca Tati Lund, referência em gastronomia consciente e proprietária do Org Bistrô. A decisão foi um gesto simbólico e político... provar que comer sem ingredientes de origem animal é sim, uma escolha viável, sofisticada e profundamente alinhada com o propósito de proteger o planeta.
O sabor da revolução
O jantar, servido para centenas de convidados, trouxe uma sucessão de cores, aromas e texturas que desafiavam estereótipos. No lugar de carnes e frutos do mar, vieram creme de abóbora com sementes tostadas, salada de feijão-fradinho com limão-cravo, nhoque de mandioquinha ao molho de cogumelos silvestres e mini brownies de cacau com castanha-do-Pará e caramelo salgado vegano.
A própria Tati resumiu a experiência em suas redes:
“Foram 10 etapas criativas à base de plantas! Muita cor, frutas, vegetais e castanhas! Tudo orgânico direto da natureza.”
Cada prato parecia ecoar uma mensagem de que é possível preservar a biodiversidade brasileira e, ao mesmo tempo, reinventar suas tradições. “O veganismo não é sobre negar cultura, mas sobre ampliá-la”, costuma dizer Tati. No menu, ela transformou ingredientes familiares como mandioca, abóbora, coco, castanhas em poesia comestível.
A chef que cozinha com propósito
Tati Lund não é uma novata em fazer barulho na gastronomia. Formada em nutrição pela UFRJ e conhecida por seu ativismo ambiental, ela conduz há mais de uma década o Org Bistrô, restaurante referência no Rio por unir sabor, ética e estética. Seu estilo combina técnica de alta cozinha com um olhar afetuoso sobre ingredientes locais.
No Earthshot, ela traduziu o espírito do evento para o paladar. Cada prato foi pensado para reduzir emissões, evitar desperdícios e celebrar produtores orgânicos. A textura cremosa da abóbora, o perfume das ervas frescas e o toque crocante das sementes pareciam carregar uma declaração silenciosa de que sustentabilidade pode ser deliciosa.
O debate que temperou o evento
Nem tudo, porém, foi consenso. Antes da cerimônia, o chef paraense Saulo Jennings recusou o convite para comandar o jantar após saber que o cardápio deveria ser 100% vegano. Para ele, excluir peixes amazônicos seria “apagar a alma da região”. O gesto acendeu discussões sobre colonialismo alimentar e os limites culturais de um cardápio globalmente sustentável.
Críticos afirmaram que a decisão ignorava tradições locais; defensores apontaram que o Earthshot precisava ser coerente com seu discurso ambiental. A polêmica revelou uma tensão contemporânea... como conciliar diversidade cultural e responsabilidade planetária?
Talvez a resposta esteja em chefs como Tati Lund, que buscam reconciliação, não exclusão. Seu menu mostrou que é possível ser radical na ética, mas generoso no sabor.
Mais que um jantar, um manifesto
O Earthshot Prize 2025 não foi apenas uma cerimônia, foi uma metáfora viva sobre o que queremos alimentar no futuro. Quando os convidados provaram aquele nhoque dourado de mandioquinha, estavam degustando mais que um prato, estavam experimentando uma visão de mundo.
O cardápio de Tati Lund fez o que a boa arte faz: provocou, emocionou e inspirou. Mostrou que o veganismo não é ausência, mas abundância; não é restrição, mas reinvenção.
Entre polêmicas, elogios e aromas tropicais, o jantar do Earthshot no Rio se tornou um marco histórico. Pela primeira vez, uma celebração global de impacto ambiental ousou colocar a comida vegetal no centro da conversa e provou que ética e prazer podem compartilhar o mesmo prato.
Talvez o futuro da gastronomia brasileira não esteja apenas nas panelas de cobre ou nas receitas herdadas, mas na coragem de reinventá-las. E, se depender do veganismo, esse futuro será servido em pratos com folhas, frutas, castanhas, raízes e poesia.